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A superdotação é frequentemente associada a altas habilidades intelectuais, mas pouco se fala sobre as dimensões socioemocionais que permeiam a vida dessas pessoas, especialmente em relação à socialização. Ao contrário do estereótipo do “gênio solitário”, muitos indivíduos superdotados buscam relações interpessoais significativas, mas enfrentam desafios específicos relacionados ao convívio social.
Este artigo tem como objetivo explorar de maneira profunda a relação entre superdotação e socialização, destacando como esse aspecto impacta o desenvolvimento pleno desses indivíduos. Além disso, traremos reflexões sobre leis brasileiras, pesquisas científicas relevantes e práticas educativas que favorecem a socialização saudável de crianças, adolescentes e adultos superdotados.
Antes de adentrarmos nos aspectos da socialização, é importante entender como a legislação brasileira reconhece a superdotação.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/1996), no artigo 58, garante a oferta de educação especial aos estudantes com altas habilidades/superdotação, assim como aos que apresentam deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento. Complementando a LDB, a Resolução CNE/CEB nº 02/2001 estabelece as diretrizes para o atendimento educacional especializado (AEE).
Ainda, a Nota Técnica nº 04/2010/CGAI/DIID/MEC define altas habilidades/superdotação como um perfil que pode envolver aspectos intelectuais, criativos, acadêmicos, artísticos e psicomotores, além de características como a motivação e o envolvimento com tarefas de interesse.
Apesar do reconhecimento legal, a socialização das pessoas superdotadas não é um aspecto diretamente abordado pela legislação, embora seja fundamental para seu pleno desenvolvimento.
A socialização é um processo pelo qual os indivíduos internalizam normas, valores e comportamentos, aprendendo a interagir de forma funcional e construtiva na sociedade. Segundo Berger & Luckmann (1966), é por meio da socialização que ocorre a construção da identidade social.
No contexto da superdotação, a socialização assume uma relevância ainda maior, uma vez que indivíduos com altas habilidades frequentemente se deparam com dificuldades em encontrar pares que compartilhem seus interesses e níveis de desenvolvimento.
A literatura científica reconhece que, enquanto a superdotação pode ser um fator de proteção em algumas situações, também pode representar um risco para o desenvolvimento social saudável, especialmente quando não há suporte adequado.
Um dos principais desafios da socialização para pessoas superdotadas está relacionado às discrepâncias no desenvolvimento cognitivo e emocional em comparação com seus pares etários.
Segundo Silverman (1993), muitos superdotados apresentam desenvolvimento assíncrono, ou seja, enquanto possuem um raciocínio lógico avançado, podem ter uma maturidade emocional compatível com sua idade cronológica, ou até inferior. Esse descompasso pode dificultar a socialização, gerando sentimentos de inadequação.
De acordo com Neihart et al. (2002), crianças superdotadas relatam frequentemente sentimentos de solidão e isolamento, sobretudo quando não encontram colegas com interesses similares. A falta de compreensão por parte dos professores e colegas pode agravar essa situação, tornando a socialização um processo doloroso.
Os estereótipos relacionados à superdotação, como o do “nerd” ou do “esquisito”, podem intensificar situações de exclusão social e bullying. Estudos mostram que a experiência de bullying afeta negativamente a autoestima e a saúde mental dos superdotados, prejudicando sua socialização.
Uma pesquisa realizada por Cross et al. (2010) apontou que adolescentes superdotados são particularmente vulneráveis ao bullying relacional, justamente por se destacarem academicamente.
Apesar dos desafios, a superdotação também pode favorecer a socialização em determinados contextos, especialmente quando há ambientes propícios para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.
Muitos superdotados demonstram alta empatia, capacidade de perceber e compreender sentimentos alheios. Esse traço, conforme destaca Piechowski (1997), pode facilitar a socialização em ambientes acolhedores.
A liderança é frequentemente citada como uma característica associada à superdotação. Renzulli (1986) incluiu a liderança em seu modelo dos Três Anéis, sugerindo que superdotados podem assumir posições de destaque em grupos, favorecendo sua socialização.
A tendência em buscar grupos ou atividades que correspondam a seus interesses intelectuais, criativos ou artísticos também pode facilitar a socialização de superdotados. Clubes de ciências, música, teatro e esportes são exemplos de espaços de convivência enriquecedores.
O princípio da inclusão, amplamente defendido por políticas públicas e organismos internacionais, implica garantir não apenas o acesso à educação formal, mas também à socialização e à participação ativa na comunidade.
De acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), ratificada pelo Brasil com status de emenda constitucional (Decreto nº 6.949/2009), é dever dos Estados assegurar a plena e efetiva participação de todas as pessoas, o que inclui aquelas com altas habilidades/superdotação.
Assim, promover a socialização saudável de superdotados é um direito e uma responsabilidade social.
A família desempenha papel central na socialização da pessoa superdotada, oferecendo suporte emocional, oportunidades de interação social e incentivo ao desenvolvimento das potencialidades.
Segundo Del Prette & Del Prette (2001), as habilidades sociais são aprendidas inicialmente no núcleo familiar e ampliadas nas interações escolares e comunitárias.
Pais que reconhecem e aceitam as especificidades da superdotação tendem a criar ambientes mais propícios ao desenvolvimento de competências sociais, promovendo uma socialização mais saudável.
Entretanto, famílias que supervalorizam o desempenho acadêmico podem, inadvertidamente, negligenciar a necessidade de estímulos para a socialização, o que pode gerar dificuldades futuras.
A escola é um dos principais espaços de socialização. No entanto, o ambiente escolar pode ser tanto um facilitador quanto um obstáculo para a socialização de superdotados.
A política brasileira orienta que o atendimento ao aluno com superdotação ocorra, preferencialmente, na escola regular, com suporte especializado. A presença em classes comuns proporciona oportunidades naturais de socialização, desde que haja um ambiente de acolhimento e respeito à diversidade.
Muitos professores não se sentem preparados para lidar com as necessidades de superdotados, incluindo questões relacionadas à socialização. A Resolução CNE/CP nº 1/2020, que trata da formação de professores, enfatiza a necessidade de competências para atuar na educação inclusiva, o que abrange as altas habilidades.
Para favorecer a socialização dos superdotados, educadores podem adotar estratégias como:
Tais práticas contribuem para desenvolver habilidades sociais, além de promover o respeito mútuo.
A relação entre superdotação e socialização tem impacto direto na saúde mental. Pesquisas, como a de Gross (2002), mostram que superdotados mal ajustados socialmente têm maior risco de desenvolver ansiedade, depressão e transtornos de conduta.
Por outro lado, ambientes que favorecem a socialização saudável funcionam como fatores protetivos, promovendo autoestima, bem-estar emocional e resiliência.
A abordagem socioemocional, preconizada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), é um importante avanço no reconhecimento da necessidade de desenvolver competências que favoreçam a socialização de todos os estudantes, incluindo os superdotados.
Diversos estudos e teorias abordam a temática da socialização de superdotados. A seguir, destacamos alguns dos principais:
Neihart propôs quatro perfis de superdotados em relação ao ajuste social: bem ajustados, mal ajustados, desafiadores e duplamente excepcionais. Cada perfil apresenta desafios e potencialidades específicas para a socialização.
O estudo clássico de Lewis Terman, com acompanhamento de crianças superdotadas por várias décadas, indicou que, em sua maioria, essas pessoas apresentaram boa socialização, sucesso acadêmico e profissional, contestando a ideia de que superdotados são inevitavelmente isolados.
O modelo de habilidades sociais desenvolvido pelos autores brasileiros propõe que competências sociais são aprendidas e podem ser ensinadas, reforçando a necessidade de estratégias pedagógicas intencionais para melhorar a socialização de superdotados.
No Brasil, algumas iniciativas buscam favorecer a socialização de superdotados:
No âmbito internacional, destaca-se o trabalho do World Council for Gifted and Talented Children (WCGTC), que promove congressos e encontros para fomentar a socialização entre superdotados de diferentes culturas.
A relação entre superdotação e socialização é complexa, repleta de desafios e potencialidades. Embora o desenvolvimento cognitivo dos superdotados seja frequentemente o foco das atenções, é imprescindível que a socialização saudável e inclusiva também seja considerada uma prioridade.
Família, escola e sociedade devem trabalhar de forma articulada para garantir que indivíduos superdotados tenham oportunidades não apenas de desenvolver suas habilidades intelectuais, mas também de vivenciar relações sociais significativas, respeitosas e enriquecedoras.
Promover a socialização de superdotados é investir em cidadãos mais completos, capazes de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e inovadora.
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